Aos 35 anos, Caio Abreu tinha a vida profissional ganha: passagem por grandes escritórios de advocacia, faturamento alto na própria empresa e dois filhos pequenos crescendo com conforto ao lado da mulher em São Paulo.
Ele resolveu, contudo, largar a carreira e se reinventar no mundo dos negócios com uma missão ousada: criar a primeira indústria brasileira de medicamentos à base de maconha.
O projeto não está para brincadeira: reúne investidores, cientistas de ponta e parceiros em países que já regulamentaram a Cannabis medicinal, como Canadá e Holanda.
Já possui autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para importar 20 kg de matéria-prima e desenvolver o primeiro “candidato a medicamento”, que ainda precisará passar por testes em humanos para uma eventual liberação comercial.
A empresa tenta avançar com cautela, já que o uso medicinal da maconha ainda dá seus primeiros passos legais no Brasil.
A empreitada de Abreu mira, naturalmente, o potencial econômico desse mercado, que já movimenta bilhões de dólares em países como EUA, Reino Unido, Israel, Canadá e França.
Só nos Estados Unidos as vendas legais de Cannabis para fins médicos e recreativos somaram US$ 2,6 bilhões em 2014, segundo a revista britânica The Economist.
Foi um drama pessoal, contudo, que chamou a atenção do advogado para o potencial terapêutico da planta.
Em 2005, Sueli, mãe dele, começou a reclamar de dores na base da coluna. Passou por um sem-número de médicos até uma amiga enfermeira sugerir um proctologista, que detectou um agressivo câncer no reto.
Na mesma semana, Abreu hospedou a mãe em sua casa, em São Paulo, para assisti-la durante o tratamento duro que viria pela frente.
O câncer atingiu o útero e passou a provocar dores excruciantes – causadas pela compressão dos nervos pelo tumor -, amenizadas à base de morfina.
Foi quando Sueli, uma pedagoga que ganhara a vida em agências de publicidade, quis tentar uma alternativa – sabe-se que o efeito da quimio pode ser intolerável para certas pessoas, com prejuízo ao tratamento.
Abreu se desdobrou e conseguiu maconha para a mãe – recorrendo, claro, ao mercado ilegal. O uso, diz o filho, ajudou a minimizar a dor da compressão dos nervos pelo tumor e efeitos da quimioterapia, como náuseas, vômitos e falta de apetite.
Sueli sucumbiu ao câncer em dezembro de 2009, aos 58 anos. Desde então o filho conheceu sua atual mulher, teve dois filhos e continuou a tocar seu escritório de direito societário e mercado de capitais, que lhe rendeu uma vida confortável em um bairro nobre de São Paulo.
Em dezembro de 2014, o Conselho Federal de Medicina autorizou médicos brasileiros a prescrever o CBD, mas a liberação foi limitada: somente neurologistas e psiquiatras receberam o aval, e apenas para crianças e adolescentes com casos graves de epilepsia.
No mês seguinte, a Anvisa passou a enquadrar o CBD como substância controlada, e não mais proibida – podendo, portanto, ser adquirida com receita médica e laudo de responsabilidade assinado por médico e paciente.
O CBD já é usado com sucesso nos EUA e em países da Europa contra epilepsias de difícil tratamento. Foi a primeira vez que a Anvisa reconheceu o efeito terapêutico de uma substância derivada da cannabis – desde então, já autorizou cerca de 1,5 mil pedidos de importação de produtos com o componente.
Em março deste ano, por determinação judicial, a agência liberou a prescrição e importação de medicamentos com demais derivados da maconha, incluindo o THC (tetrahidrocanabinol), que tem efeito psicoativo. Também autorizou a prescrição de flores de Cannabis in natura para uso vaporizado.
Foi aí que Abreu, hoje com 37 anos, viu uma oportunidade. Fechou o escritório de advocacia e saiu em busca de parceiros, consultores e colaboradores para a empreitada.
Um passo chave nesse processo foi atrair uma das principais empresas internacionais de maconha medicinal, a Canopy Growth Corp.
A Canopy é a maior firma licenciada para produção de Cannabis do Canadá, país em que o consumo de maconha receitada por médicos é legal desde 2001.
Por meio da Bedrocan, subsidiária da Canopy especializada em produção para uso terapêutico, fornecerá as flores de Cannabis para o desenvolvimento do primeiro remédio planejado pela empresa de Abreu, batizada Entourage Phytolab.
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