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Médico ajudou a salvar mais de mil vítimas do Estado Islâmico em 10 meses

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Às vezes quando fecha os olhos, o médico Mirza Dinnayi ainda vê o rosto queimado de Lamya, os lábios inexpressivos, os olhos sem vida feridos pelos estilhaços da mina terrestre que matou suas companheiras de fuga.

Passaram-se mais de três anos daquele primeiro encontro, em abril de 2016, em um hospital no Curdistão iraquiano. A jovem, então com 16 anos, havia escapado de um ano e meio de violência e estupros nas mãos de militantes do grupo terrorista Estado Islâmico, que a vendeu em mercados de escravas de Mossul a Hawija. Lamya Haji Bashar foi incluída em um programa de assistência para yazidis sobreviventes do Estado Islâmico (EI) lançado pela organização não governamental Luftbrücke Irak (Ponte Aérea Iraque), fundada em 2007 por Dinnayi, e o governo do estado alemão de Baden-Württemberg.

Entre março e dezembro de 2015 a ONG levou 1,1 mil mulheres e crianças à Alemanha, onde receberam tratamento médico e psicológico. “Conseguimos salvar um olho de Lamya e, aos poucos, ela foi voltando à vida”, recorda o médico e ativista. “Um dia, ela me disse que queria contar sua história a todo o mundo.” Um ano mais tarde, Lamya ganharia o Prêmio Sakharov do Parlamento Europeu junto a outra sobrevivente yazidi, Nadia Murad, vencedora do Prêmio Nobel da Paz em 2018. Dinnayi entrevistou a maioria das vítimas ao selecionar os beneficiados do programa de realojamento na Alemanha.

O trabalho lhe rendeu o Prêmio Aurora pelo Despertar Humanitário este ano, entregue em outubro em Erevan, na Armênia. Mas lhe rendeu também uma depressão e um diagnóstico de estresse pós-traumático. O médico de 46 anos, ele próprio um yazidi exilado na Alemanha desde 1994, abaixa os olhos. “Algumas imagens, eu jamais esquecerei. Imagine ter na sua frente uma menina de oito anos que te conta como foi estuprada sete, oito vezes ao dia durante meses por soldados do EI. No outro dia, uma adolescente com queimaduras de terceiro grau em todo o corpo, que tinha atado fogo em si mesma para se suicidar e escapar do tormento.”

Ele fala com pudor, negando detalhes. As cicatrizes que os relatos deixaram em sua alma são, para ele, suficientes para mostrar o tamanho do horror vivido pelas vítimas do EI. “Eu não conseguia dormir. Chorava várias vezes ao dia ouvindo essas histórias. Quando eu lembro, penso: como esse tipo de coisa pode acontecer em pleno século 21?” Praticantes de uma religião de mais de 4 mil anos, que reúne elementos do zoroastrismo, judaísmo, cristianismo e islã, os yazidi são vistos pelo EI como devotos do diabo. “Quando vi meu povo fugindo pelo deserto sem água ou comida não pude ficar indiferente”, afirma Dinnayi.

O ativista, que foi conselheiro especial para minorias no governo de Jalal Talabani, presidente do Iraque de 2005 a 2014, mobilizou seus contatos. O governo iraquiano enviou um helicóptero militar da era soviética para evacuar os refugiados. Dois ou três voos diários eram realizados em um terreno acidentado, muitas vezes em meio a tiros dos extremistas. A aeronave chegava ao Monte Sinjar com água e mantimentos e partia levando, em troca, mais pessoas do que podia carregar. Depois de uma semana de resgates, o médico estava “totalmente traumatizado”. “Você pode imaginar como é aterrissar em meio a umas dez mil pessoas. Todo mundo tenta entrar no helicóptero e só poder levar 15, 20. No final do dia, você salvou umas 300 pessoas, mas ainda se sente culpado por ter deixado para trás outros milhares. Por mais que você faça, nunca é suficiente”, afirma. As operações foram suspensas no final de agosto, depois que o helicóptero sobrecarregado caiu na montanha, matando o piloto. Dinnayi quebrou as duas pernas. Sobreviver ao EI não significou o fim do drama para todas as yazidi sequestradas pelos extremistas.


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