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Por medo da deportação, brasileiras que sofrem violência doméstica nos EUA deixam de procurar a Polícia

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O endurecimento das políticas migratórias nos Estados Unidos criou um paradoxo cruel para mulheres brasileiras que vivem no país: o pedido de socorro tornou-se tão assustador quanto a violência sofrida dentro de casa. Antes visto como um aliado, o sistema de proteção agora é encarado com desconfiança, transformando vítimas em reféns do silêncio. A ameaça de deportação ou prisão passou a ser utilizada como uma arma de controle eficaz pelos agressores, que apostam na vulnerabilidade jurídica de suas companheiras para perpetuar abusos físicos e psicológicos impunemente.

Um exemplo emblemático dessa dinâmica é a trajetória de Roberta Castello Novo. O que começou como um conto de fadas ao lado de um americano, evoluiu rapidamente para um regime de cárcere privado emocional e financeiro. Após mudar-se para Utah, Roberta viu sua autonomia ser desmantelada: cartões cancelados, alimentação racionada e humilhações diárias diante dos filhos. A virada só ocorreu quando ela, apoiada por terapia e pela organização HOPE Institute, conseguiu fugir na véspera do Ano Novo de 2024, reconstruindo sua vida do zero através do empreendedorismo e do voluntariado.

No entanto, nem todas conseguem romper o ciclo com a mesma rapidez. Segundo apurado pelo Brazilian Press, o isolamento é agravado estrategicamente pelos parceiros, que utilizam a barreira do idioma e o desconhecimento das leis locais para aterrorizar as vítimas. Muitas mulheres acreditam que, ao discar para a emergência, estarão acionando a própria expulsão do país. Esse cenário de terror psicológico é confirmado por advogados e ativistas, que notam uma mudança no perfil das denúncias: o medo não é mais apenas de apanhar, mas de ser separada forçadamente da família.

O drama de Ana (nome fictício) ilustra a armadilha da maternidade em solo estrangeiro. Vivendo na Flórida, ela enfrenta um ex-companheiro com histórico criminal e diagnósticos psiquiátricos graves, mas se vê paralisada pelo sistema legal. A cidadania americana da filha tornou-se um instrumento de chantagem: foi informada de que poderia retornar ao Brasil, mas teria de deixar a criança para trás. “Estou literalmente à espera de um milagre”, desabafa Ana, que gasta suas economias com advogadas enquanto vê a proteção judicial falhar na prática.

A violência, contudo, nem sempre deixa marcas visíveis na pele, o que dificulta ainda mais a decisão de denunciar. Mariana Krasch, residente em Utah, viveu o terror logo no início da pandemia, quando seu marido trancou sua filha de três anos em um quarto escuro como forma de “educação”. Embora não tenha havido agressão física direta contra ela, a ameaça constante e o ambiente de controle foram suficientes para que ela buscasse a polícia. Mariana teve sorte ao encontrar uma delegada empática, mas ressalta a carência de leis específicas que protejam a mulher imigrante em disputas de guarda e pensão.

O reflexo desse clima de insegurança aparece nas estatísticas das organizações de apoio, que registram um fenômeno preocupante de subnotificação. Rose Newell, do Projeto Vida, relata que o número de atendimentos despencou de cerca de 200 mulheres em anos anteriores para apenas 40 em 2024. A queda não indica menos violência, mas sim um pânico generalizado. Rodrigo Godoi, da Mantena Global Care, reforça que existe uma correlação direta entre a pressão social contra imigrantes e o aumento da violência doméstica, criando uma “onda silenciosa” de abusos não reportados.

Diante da hesitação em envolver a polícia — passo necessário para vistos de proteção como o U Visa —, advogados de imigração têm orientado as vítimas a buscarem o VAWA (Violence Against Women Act). Esta legislação permite a regularização migratória sem a necessidade de boletim de ocorrência e de forma sigilosa, sendo uma saída vital para casos de abuso psicológico extremo e controle coercitivo. A advogada Fernanda Bueno destaca que muitas desistem de chamar a polícia com medo de que o parceiro acione a imigração, tornando o VAWA a principal porta de saída.

Além das barreiras legais, a língua continua sendo um muro quase intransponível. O HOPE Institute, que viu um aumento na demanda de denúncias via formulários online, alerta para o risco de retraumatização quando o atendimento não é feito em português. Valéria Emele, voluntária da organização, explica que a capacidade de se expressar na língua materna é fundamental para estabelecer a confiança necessária para a denúncia. A meta da ONG é expandir sua atuação física até 2026 para oferecer um acolhimento mais robusto.

Apesar do cenário sombrio, a rede de solidariedade feminina resiste como o último bastião de esperança. Iniciativas comunitárias e coletivos em cidades como Nova York continuam a mobilizar psicólogas e advogadas para combater a desinformação. Mulheres como Roberta, que transformaram sua dor em ativismo, provam que é possível vencer o medo. A mensagem que tentam propagar é urgente: a denúncia continua sendo essencial, e o status migratório não deve ser uma sentença de submissão à violência.


Advocating Identity, Heritage and Resistance at the 33rd NY African Diaspora International Film Festival

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