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Morte de aluno gera debate sobre o trote nas universidades portuguesas

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Sob praticamente todos os pontos de vista, as universidades portuguesas sempre tiveram um clima problemático. Depois do fim da ditadura do país, nos anos 70, o sistema público de educação se viu sufocado pelo número altíssimo de jovens em busca de um diploma; com a demanda não suprida, abriu-se um mercado para as instituições particulares, geralmente consideradas de qualidade inferior.

Assim, onde o nível acadêmico não conseguiu se destacar o trote, conhecido como ‘praxes’ em Portugal, assumiu um lugar de destaque inédito em várias universidades mais novas, algumas intrinsecamente ligadas à prática ‒ e a situação acabou gerando um debate nacional depois que seis alunos morreram afogados durante um ritual de passagem suspeito.

Desde que um corredor descobriu o corpo de Pedro Negrão, de 24 anos, no dia 26 de dezembro, na Praia do Meco, ao sul de Lisboa, a polícia ainda não conseguiu definir com precisão as circunstâncias que cercam sua morte, mas antes de sair para o fim de semana, onze dias antes, o rapaz disse aos pais que ia se encontrar com colegas em uma casa alugada para terminar os preparativos de um trote da Universidade Lusófona, fundada em 1989.

O único sobrevivente do tal encontro, o estudante João Gouveia, desde então está em tratamento psicológico e não deu ainda sua versão dos acontecimentos. Ninguém foi indiciado e a primeira audiência pode demorar de três a quatro meses para acontecer segundo Vítor Parente Ribeiro, advogado que representa as famílias das seis vítimas.

A porta-voz da Lusófona, Eugénia Vicente, afirmou por e-mail que ‘até o momento não há evidências da ligação entre qualquer atividade conduzida pela universidade e a tragédia que tirou a vida de seis dos nossos alunos.’

Apesar da falta de informações, surge um debate apaixonado entre os alunos, e na sociedade como um todo, sobre o valor do ritual do trote ‒ que para alguns ajuda a criar/reforçar laços de camaradagem e, para outros, estão ficando cada vez mais perigosos. Ao contrário das universidades norte-americanas e de outros países europeus, o trote não é limitado às fraternidades e grêmios femininos, sendo um rito de iniciação para os calouros.

Na universidade pública mais antiga do país, fundada em 1290 em Coimbra, a 177 km da capital, o trote tem uma tradição forte e rica, e é o seu legado que organizações muito mais novas tentam imitar.

Até vinte anos atrás, ‘não existia trote em Lisboa’, conta José Miguel Caldas de Almeida, professor de Psiquiatria e ex-diretor da Faculdade de Medicina da Universidade Nova, que é federal. ‘Muitas das nossas universidades, principalmente as particulares, têm um ensino de baixa qualidade, então as pessoas tentam desesperadamente recriar aquela ideia de que estudar é algo especial’, explica.

E acrescenta: ‘O que testemunhei durante o tempo que fiquei na diretoria foi mais violento do que qualquer trote que vi no Exército na África, quando servi como médico militar durante as guerras das colônias’.

Frederico Campos, líder das ‘praxes’ da Faculdade de Direito afirma que nenhuma das atividades do grupo são arriscadas nem poderiam levar ao que aconteceu naquela praia. Geralmente os calouros têm que jogar futebol com a perna amarrada a de outra pessoa, por exemplo, ou ter que andar pela cidade com os olhos vendados seguindo as dicas dos outros alunos. Qualquer problema gerado por bebidas alcoólicas ou violência, diz ele, são comunicados à administração da universidade ou à polícia.

O Ministro da Educação de Portugal já começou a discutir com as universidades para encontrar uma forma de lidar com elas. Mesmo após os afogamentos, Paula Teixeira da Cruz, Ministra da Justiça, diz que a proibição não é a solução.

A investigação policial continua, mas mesmo assim a TVI, um canal privado de TV, recentemente levou ao ar um programa que mostrava a reconstituição da tragédia da Praia do Meco, na qual os estudantes, de mãos atadas e de costas para o mar, eram forçados pelo líder a dar um passo para trás cada vez que davam uma resposta errada.

Ana Leal, jornalista da TVI, conta que, em suas pesquisas, descobriu que desafiar as ondas do mar em uma noite de inverno era considerado ‘um jogo comum’ na Lusófona; a universidade, por sua vez, classificou a reportagem de ‘mera especulação da imprensa’.


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